sábado, 7 de novembro de 2015

brindar na noite

agora anoitecia mais cedo...
esta coisa da mudança da hora, baralhava sempre tudo.
Abel caminhava para casa de forma cambaleante. Não era o vento, era antes o "ar da pinga" que tinha escorregado na tasca do Zé das Furnas.
o vício das cartas lixava tudo...
quatro jogos, uma cabeça, uma rodada
e foi toda a tarde...
a porta de casa era agora demasiado pequena.
e abri-la? um problema bicudo.
após duas tentativas a porta abriu-se.
afinal a coisa não estava tão má...
a voz da mulher "acordou-o" do pensamento de júbilo...
- olha como tu estás! a cair de bêbado. Não tens vergonha? Que sorte a minha...
tinha sido ela quem abriu a porta, depois de ouvir o "sanforronar" da chave na fechadura por várias vezes.
tal como fazia nos outros dias em que ele chegava assim, ajudou-o a entrar em casa,
Abel sentou-se no sofá e com voz arrastada:
- oh mulher o que é a janta?
- mas ainda queres comer? não tens a barriga cheia de vinho? Encosta-te e dorme que o teu mal é sono,
Abel já nem ouviu o resto da frase. Ressonava forte e feio.
Manuela sentou-se na cadeira de todos os dias. A telenovela da tarde estava quase a começar.
o ronco do seu Abel não a ia deixar ouvir nada.
hoje como em tantos outros dias, Manuela estava sozinha.
levantou-se e foi para a cozinha.
do armário tirou uma garrafa que tinha comprado na Tasca do Zé das Furnas, arranjou um copo e encheu-o e brindando à solidão bebeu-o de um trago...
hoje como ontem, anteontem, antes de anteontem... era noite de brindar



2 comentários:

  1. Quando a solidão se torna companhia. Mas jamais companheira...

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  2. Brindar na noite, acontece tanto.
    Conheço algumas "vidas" como esta aqui tão bem contada.
    Triste brindar noite após noite à solidão.
    Gostei muito caro zaratustra.
    Grata pela sua passagem no Parapeito.
    Eu vou ficar mais um pouco por aqui.
    Brisas doces ***

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