encosto-me aos espaços vazios…
olho o parágrafo inacabado que me paira
na memória.
penso nos teus lábios a largarem palavras
na minha boca e nos teus dedos a escreverem verbos
na minha pele…
olho-me
por dentro.
perco-me.
vou respirar-te…
a noite dança-me no olhar.
bebo um chá e regresso à leitura que se amontoa no chão ao lado sofá.
ensaio uma letra e depois outra...
as frases passeiam pela minha mente. guardo as importantes…
e as horas cavalgam a madrugada
- gosto desta solidão literária -
as janelas mostram-me raios brilhantes mas indecisos…
e num repente avassalador o despertador rouba-me do colo onde me aconcheguei,
levanto os olhos do livro e interrogo-me sobre o que guardei desta leitura
afinal tudo é fantasia
depois de uma leitura da “Espuma dos Dias” de Boris Vian
procuro a tua ausência
nos espaços de silêncio...
desfraldo nomes
nas madrugadas de estio
e perco-me nos caminhos que foram da infância…
procuro a soleira da porta.
falta-me espaço
para as palavras que são sempre as mesmas.
o silêncio perde-se no monólogo
tenho pressa,
espera-me a seara rubra das papoilas
crescem murmúrios na noite.
o vento aguçado
corta a geometria das ruas
e castiga a violência da escuridão…
olho
e o meu olhar
tem ainda as manhãs tímidas
que não vimos,
que não vivemos…
e se eu te falasse dos amores de verão!?
lá fora, uma luz pequena mostra-me o mar.
imenso.
escrevo palavras náufragas
e devoro-te os beijos
com que brindámos à liberdade
a palavra invade a sombra
e todo eu sou um cântico negro…
caminho na rua comprida
gritando respirares
que a voz cala
com um sorriso vazio.
refugio-me no interior do dia…
ontem,
hoje,
paro o tempo na pele
e o olhar nas tuas pupilas…
dispo o calor
que vive na ponta dos dedos
e escrevo a frio sobre a tua ausência
a vidraça permite a entrada dos primeiros raios de sol
o aroma do café acabado de fazer irrompe pelas divisões da casa.
levanto-me num repente.
na boca há um salivar abundante por aquele líquido negro.
a manhã seria um fardo impossível de carregar se não sorvesse em pequenos
tragos a chávena que me espera na mesa da cozinha.
ao lado, uma fatia de pão, que já passou pela torradeira, espera um pouco de manteiga
e depois desta derreter terá por companhia um pouco de geleia de marmelo…
é bom saborear a manhã…
paro . foram meia dúzia de passos esquecidos na rua de pedra
irregular . na parede do prédio azul as
sombras espalmam as grilhetas do tempo . a noite escorre pelos beirados .
lentamente estico os dedos na procura da lua que se vê no horizonte . a lonjura
desperta desejos colecionados em manhãs de silêncios .
dispo as palavras que marcaram os lapsos do meu olhar no teu corpo nu …
improviso um sorriso , um olhar , um medo de manhãs geladas …
amanhã talvez finja que os dias não sucedem às noites e estas aos dias.
o vento hoje não se cala
as árvores desdobram-se em movimentos bruscos.
acolho as palavras que debruaste a sorrisos e lanço-as sobre a tua pele…
queria olhar-te por dentro e beber todo o teu sentir…
estou a pensar escrever-te uma carta, eu sei que é algo que caiu em desuso, mas
mesmo assim vou escrever-te uma carta longa, assim poderíamos recordar dias,
horas, minutos, segundos até (sempre poucos para aquilo que desejamos eu sei), que
deixaram sempre beijos em falta pendurados nos lábios.
regresso à janela.
o vento continua ondulante.
o olhar caminha lentamente em direção ao horizonte e este mostra-nos as suas
transparências.
vou deitar-me… quero sonhar com arroz de míscaros...
até amanhã.
a luz quebra
sobram-me os sonhos nas mãos e a memória dança nos gestos que acompanham as
palavras escondidas no orvalho das manhãs de neblina.
dispo-te a nudez…
e fico confinado às tuas fotografias.
lembro-me do aroma do amor feito.
de peito a arder
espero o eco do dia.
demoro a encontrar-me.
há tanta mas tanta estrada