eram só nove da noite e tudo estava já deserto.
enquanto caminho apodera-se de mim um vazio...
as recordações flutuavam e era Março, finais de Março.
este bairro tinha história, tinha parte da minha história.
ali tinha nascido, brincado, estudado.
fora ali que estivera para casar... fiquei-me só pelo estivera.
estou a chegar a casa... o cheiro a limão não engana. o velho limoeiro continuava rijo e a espalhar o seu perfume.
enfim o portão.
tudo igual, nada de novo...
vai ser surpresa... ninguém sabe que regresso hoje.
mas sim, regresso... sabe bem regressar no equinócio da primavera
domingo, 20 de março de 2016
quinta-feira, 10 de março de 2016
a janela entreaberta deixava penetrar a luz da madrugada, uma luz ainda com escuridão, mas que era suficiente para deixar antever um corpo esbelto embrulhado nos lençóis.
ela ainda ocupava os braços de Morfeu...
respiração lenta.
a luz começava a aumentar de intensidade, sinal que a manhã estava a chegar.
o corpo ia ficando mais nítido, com as formas mais bem delineadas ao olhar.
já não era só o corpo, era também toda a envolvência.
a cama de madeira clara, a roupa de cama, o candeeiro, uns tapetes desbotados, uma carta no chão...
uma carta?!
será importante?
é manhã. a luz irradia...
os olhos têm sinais de choro, de muito choro.
apeteceu-me ler a carta. mas que diabo, eu sou só o narrador, que tenho eu a ver com a carta...
os raios de luz batem-lhe agora directamente no rosto e ela abandona os braços de Morfeu...
senta-se na cama, olha a carta e chora.
batem à porta...
- Luísa acorda, tens de te despachar, o teu pai está à tua espera...
- já vou mãe!
olhou de novo a carta, apetecia-lhe morrer ali e agora.
lavou o rosto com água tépida, vestiu-se, pegou na carta e desceu as escadas.
lançou um até logo e saiu para a rua sem dar tempo para perguntas.
na rua pegou na carta, amarrotou-a e lançou-a no caixote do lixo...
a vida estava ali à sua frente e ela queria mesmo aproveitá-la
domingo, 6 de março de 2016
faltava pouco para o sol cair...
o verde perderia a cor e o vermelho das
papoilas correria como sangue da planície.
ali estávamos, no silêncio de olhares
imperfeitos mas cheios de palavras.
amava-a?
claro que sim!
queria tanto inventar uma carícia que prendesse
a tarde, que afastasse a chegada da noite.
o rosto, suave, ficava tão bem com a cor
da tarde, com a cor do final de tarde.
faltava um beijo, um beijo que unisse as
duas bocas... um beijo que selasse a palavra amo-te.
faltava a pele fundida noutra pele.
faltava a pele fundida noutra pele.
faltava fazer amor, tocar em carne pulsante.
faltava prender a tarde.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
madrugada
A casa fervilha no silêncio.
Pé ante pé, degrau a degrau, caminho para a porta da rua.
Volta na chave e... ar puro, o luar, o cheiro a terra e ao verde. Ao longe antevejo uma brisa que desce as faldas da serra.
O alpendre devolve-me a vida.. a soleira agarra o destino... e ali estava eu a olhar o amanhã, porque o hoje, embora imberbe, já tinha chegado.
Curvei-me sobre mim mesmo.
A cabeça nos joelhos antevia uma espera que somente iria terminar quando o nascer dos primeiros raios de luz espreitarem da montanha.
É duro o chão que olho.
Agora há passos dentro da casa... encolho-me ainda mais.
Podia esconder-me na escuridão ou simplesmente nas memórias.
Que parvoíce... o frio impede que caminhem para o exterior... estou a salvo!
Continuo sozinho...
e sinto a brisa e a madrugada por companhia.
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